Este livro provocará risos, lágrimas, medo, ira, serenidade, saudades. Como todas as boas leituras, abrirá caminhos na inteligência para compreendermos melhor nossa humanidade; dará forma a vivências cotidianas, expressando-as com linguagem clara, próxima de nossa sensibilidade e sem negligenciar a norma culta — o que é nosso dever notar e elogiar nestes dias, já que são características raras nas publicações nacionais e, infelizmente, são cada vez mais sacrificadas nos altares do "preconceito linguístico" e da obsessão com o português falado.
Posso, inclusive, imaginar Doutor Pinto Grande a discorrer sobre esse tema, assim como faz com outras bandeiras ideológicas que certos intelectuais trabalham para tornar lugares comuns, sem espaço para o que realmente aflige os brasileiros. Com seu humor adulto, no sentido de ser maduro, Doutor Pinto desarma o drama histérico dos vitimistas e ressentidos, enquanto revela paciência diante dos aspectos trágicos da vida, mostrando-nos, assim, que não se trata de rir de todo problema e fingir que está tudo bem, nem de revoltar-se contra o mundo real em nome de um ideal, mas que, na verdade, há uma forma virtuosa, e amiga da inteligência, para lidar com a confusão e a violência do dia-a-dia.
Confesso que o título me enganou direitinho, pois pensei que leria apenas uma comédia sobre um homem com nome excêntrico — até a vendedora ficou sem jeito para pedir ajuda aos colegas para procurar o livro para mim na loja; afinal, como dizer o nome do livro sem rir? Talvez achasse que nele houvesse sacanagem, uma pornochanchada literária. Nada mais contrário à verdade. As histórias em torno de Doutor Pinto podem ser cômicas e trágicas, e sobre elas sempre paira uma sombra — apresentada ao leitor já no primeiro capítulo —, contra a qual narrador e personagem principal combatem, cada um a seu modo.
Yuri Vieira nos presenteia com um trabalho bem sucedido de "contar uma boa história", com as qualidades defendidas pelo mestre Rodrigo Gurgel. Além disso, enriquece-nos com referências da alta cultura, da ciência e da religião, cumprindo o desafio de levar o público a "expandir o horizonte da consciência", como defende o filósofo Olavo de Carvalho. Uma das histórias, em particular, ao narrar vivamente a experiência de imigrantes, que bem poderiam ser meus vizinhos, tocou-me sobremaneira, a ponto de desvendar para mim a estreiteza e superficialidade da minha visão de brasileiro e, ao mesmo tempo, levar-me à contrição pelos maus hábitos. Ao lado de casa ou do outro lado da rua pode esconder-se uma trajetória humana, plena de significados metafísicos, morais, políticos, que está ao alcance de um convite para jantar, mas que se perde em meio às preocupações imediatas e egoístas com fama, riqueza ou conforto. Creio não ser o único a passar por essa transformação interior depois de ler o desfecho dessa narrativa.
Se algum dia estas palavras chegarem ao autor, e se puderem lhe propor algo a considerar nas futuras obras, desejo que ele tome nota sobre a posição das idéias conservadoras, das quais compartilho e que, suponho, devem ser também as suas. Um recurso muito empregado por ele é apresentar essas idéias de forma indireta, criando situações despretensiosas que, "só por acaso", são também informativas. Esse é um recurso válido e necessário, pois ajuda na difusão do contraditório em um imaginário social ainda dominado pelos movimentos revolucionários, mas infelizmente ele não funciona em algumas partes, especialmente no primeiro capítulo. É algo a ser aprimorado para parecer mais integrado à personalidade dos atores e mais natural à seqüência dos acontecimentos. Para mim, o melhor resultado foi obtido no capítulo "Amarás ao teu vizinho". Será um prazer acompanhar as próximas publicações do Yuri Vieira e ver mais frutos de seu amadurecimento como escritor. Os leitores brasileiros serão eternamente gratos por sua perseverança na luta com as palavras e no cultivo da autoconsciência. Que ninguém deixe de ler esta obra por vergonha do título. Que ninguém deixe de recomendá-la por vergonha (muito pior) das idéias que ela transmite.
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