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Mostrando postagens de 2014

O entendimento atual sobre sinceridade

Nós aprendemos desde crianças a buscar espontaneidade. A certa altura da nossa formação, dizem-nos que, para sermos sinceros, precisamos expressar espontaneamente o que sentimos e que, sendo as restrições e os limites da ação a nós impostos pelos outros (a sociedade), as normas obstaculizam nossa expressão e, se seguidas por obediência, elas nos lançam à hipocrisia e privam-nos da autonomia. Esse ensinamento contrapõe espontaneidade a obediência, expressão dos sentimentos a normas, sinceridade a hipocrisia. Por ele dizemos que as normas aceitas de fora dissociam as nossas ações dos nossos desejos e, por essa razão, dissociam-nas de nós mesmos. Como os desejos parecem surgir espontaneamente, assim como os sentimentos de alegria, tristeza, dor e gozo, concluímos que eles são a sede da liberdade e o que melhor expressa «quem somos». Deixar de agir segundo os próprios desejos e sentimentos parece o mesmo que trair nossa identidade e desconectar-se de si mesmo, parece também que nós

Plano de estudo

Este texto é de autoria duvidosa. Muitos o atribuem a Santo Tomás de Aquino. Embora trabalhasse com a possibilidade de ele não ser da autoria do santo, o Pe. Sertillanges, grande tomista do século XX, inspirou-se nele para escrever seu livro "A vida intelectual", que é também excelente, recomendadíssimo. No Brasil, o Prof. Lauand acredita na sua autenticidade ( aqui ). Pelo sim, pelo não, todos concordam que o texto traz preciosos conselhos e que eles harmonizam-se perfeitamente ao espírito disciplinado, estudioso e ascético do Doutor Angélico. Eu o traduzi com base na edição eletrônica disponível em "Corpus Thomisticum". Sobre o modo de estudar Caríssimo João, em Cristo, Porque me inquiriste sobre o jeito como deves estudar para adquirir os tesouros do conhecimento, ofereço-te um plano: (1) que pelos pequenos rios, e não imediatamente em pleno mar, escolhas adentrar [na ciência], pois é preciso avançar do fácil em direção ao difícil. Este é, portanto, o m

Como o Bom Ladrão

Meditação para a Quaresma : a vida de São Dimas O Padroeiro da Matriz de São José dos Campos é São Dimas, o Bom Ladrão. Embora não seja nomeado na Sagrada Escritura, a Tradição da Igreja o apresenta como Dimas e como santo, este último em atenção à promessa feita por Nosso Senhor: "Hoje entrarás comigo no Paraíso". Como joseense por adoção e crente na Providência Divina, dediquei-me a meditar sobre sua vida e aqui partilho com meus irmãos de fé os frutos dessa meditação para a Quaresma. Boa leitura. Salve Maria.   + Como o Bom Ladrão São Dimas gastou sua vida no erro, preferiu saciar a fome do corpo à fome do espírito, buscando antes os bens materiais, o prazer e o conforto do que a salvação, e tal foi seu apego a si mesmo que, por cobiça ou por desespero, tomou dos outros o que não lhe pertencia nem lhe cabia ter, o que lhe mereceu o título de ladrão. Desde o seu nascimento teve a chance de buscar a Deus e, antes daquele momento mortal na cruz, durante os tr

Meditações pré-filosóficas

O presente texto nasceu de um problema: O que a atividade de pensar própria da filosofia exige de nós para surgir, nutrir-se e prosseguir? A filosofia não existe desde sempre e, mesmo antes dela, os seres humanos já desenvolviam teorias, calculavam, construíam, escreviam poesias, pintavam e faziam esculturas, guerreavam, elegiam e derrubavam seus governantes, cultivam, caçavam e trocavam riquezas... viviam como humanos. Mesmo agora, depois de uma sucessão multi-secular de filósofos e textos filosóficos, nós ainda nascemos, crescemos e prosseguimos com a vida, sendo racionais, sem contudo precisar saber "O que é filosofia?".  Todavia, algo dos nossos dias me chamou tanto a atenção que o problema adquiriu outra importância. Sabendo ou ignorando o que seja filosofia, dedicando-se ou não à atividade filosófica, estamos perdendo mesmo aquelas coisas, atividades, hábitos, crenças, que tínhamos e que nos deixavam maduros e abertos à filosofia. Pior! Observo que estamos perdidos

Lições do ano passado

Este é um texto que marcou para mim uma transição, um amadurecimento. Partilho agora, confiante de que sirva de ajuda para outros. Boa leitura. As férias deram-me sempre oportunidade para pensar na vida. Muito tempo disponível - e não preciso dizer mais nada sobre isso. O que me faz novamente me aventurar neste espaço de expressão, depois de algum tempo de jejum, é esta noite vívida de meditação que me dá humor e disposição para dizer algumas palavras. O assunto é a vida. Sei que não é aquele tipo de tema que conquista os olhos logo de imediato. Dificulta mais considerar que há muitos por estas bandas que ensaiam algumas poesias ou prosas sobre vida e acabam a tornando objeto de pensamento muito tedioso, quando não são as próprias letras dedilhadas dignas de bons bocejos. Mas a intenção aqui não é dramatizar. Do drama temos a dose suficiente no dia-a-dia. Nossas personalidades dão conta de tingir as horas com cores roxas e pretas. Quero me queixar da minha vida, mas, na pratica,

O que você quer ser quando crescer?

          Da infância à conclusão dos estudos somos rodeados pela pergunta "o que você quer ser?". Se acaso algum observador de outro mundo testemunhasse a freqüência com que ela é feita, talvez julgasse que a raça humana é dentre todas a mais preocupada com a formação de homens e mulheres eminentemente éticos ou, então, nos considerasse os seres mais existencialistas das galáxias. Entretanto teríamos de frustrar as conclusões do nosso observador alienígena e revelar-lhe que a interrogação, desde o início, tratava de profissão. A pergunta é se queremos ser médicos, advogados ou engenheiros, as três carreiras que efetivamente existem no imaginário popular. O resto é emprego. Mas não precisamos parar aqui e discutir vocabulário, podemos avançar até a próxima curiosidade sobre o modo como pensamos: que a pergunta companheira dos primeiros anos da vida cede lugar à urgência por ganhar dinheiro.           A escolha da expressão não é por acaso. Era possível escrever "traba

Tu e você

Desde a infância estranhei o uso de “você” e das formas da terceira pessoa que o acompanham. Enquanto eu aprendia com entusiasmo a dar nome às coisas e expressar minha vida interior aos outros, eu resistia à loucura de falar com alguém que estava diante dos meus olhos como se fosse pessoa ausente, a quilômetros de distância de mim. Eu fazia secreta objeção a tratar meus pais e meus amigos como completos estranhos. Pois eram essas as impressões que o uso de “você” me causava. O “tu’ era direto e íntimo, embora fosse muito complicado. Mas eu preferia dizer “Eu te amo” do que “Eu o amo”, “Eu a amo”, mais ainda do que dizer o atual “Eu amo você”, que é contra toda convenção gramatical. Não que eu estivesse ciente das normas e fosse um prodígio literário, ou um gramático esnobe maquiado de criança insolente. Era como eu dizia, o “tu” era próximo e imediato, chegava sem rodeios ao meu ouvinte, mas o “você” era distante e esguio, fazia ziguezague, driblava a atenção e chegava ao alvo sorrate

Não está fácil para ninguém

Popularizou-se a frase "não está fácil para ninguém" para expressar a dificuldade de arrumar emprego, ou manter-se em um, ou para falar das muitas dívidas e da falta de dinheiro para pagá-las. O povo diz isso, mas não é como se estivesse mais fácil antes. Problemas sempre existiram e a memória, quando consultada, pode servir de fiel testemunha. Mesmo o que hoje parece uma atividade tranqüila para nós exigiu-nos muito esforço e trabalho algum dia, como, por exemplo, andar, falar, fazer as operações matemáticas da tabuada. Acontece que a facilidade e a dificuldade não dependem tanto do número de desafios ou da complexidade deles, porém dependem muito mais do vigor com o qual os enfrentamos. O mesmo obstáculo pode obviamente ser mais desafiador para uns do que para outros,  mas o que não é tão óbvio é que, não obstante demandar mais força de alguns, o obstáculo pode parecer a esses mais fácil do que a outros. A diferença está na grandeza de alma e na generosidade dos que são de

Calor do verão

             Meses de janeiro e fevereiro e sentimos intensamente o que significa verão no país: calor, muito calor. Pomos os ventiladores para funcionar na velocidade máxima, senão para aumentar a sensação de frescor na pele, então para carregar aquele ar quente para outro canto do universo. Os mais remediados festejam o conforto do ar-condicionado, enquanto fazem segredo a respeito do amargor que preveem para a próxima conta de luz. Os banhos se multiplicam e, em raro acontecimento, a água gelada abandona o status de vilã que pega de surpresa para adquirir o de heroína que salva o dia. Aquela que, nos tempos indiferentes, serve de despertador para os embriagados é promovida a remédio doce e suave dos sóbrios desorientados pelo sol. Em muito tempo ela é bem-vinda e muito desejada. Há quem não possa contar com esses luxos e valha-se do que está à mão: não diria um leque, mas a capa duma revista, um pedaço de papelão, o calendário do ano passado. Quem sabe? Talvez seja a única ocasiã