Desde
a infância estranhei o uso de “você” e das formas da terceira pessoa que o
acompanham. Enquanto eu aprendia com entusiasmo a dar nome às coisas e
expressar minha vida interior aos outros, eu resistia à loucura de falar com
alguém que estava diante dos meus olhos como se fosse pessoa ausente, a
quilômetros de distância de mim. Eu fazia secreta objeção a tratar meus pais e
meus amigos como completos estranhos. Pois eram essas as impressões que o uso
de “você” me causava. O “tu’ era direto e íntimo, embora fosse muito
complicado. Mas eu preferia dizer “Eu te amo” do que “Eu o amo”, “Eu a amo”,
mais ainda do que dizer o atual “Eu amo você”, que é contra toda convenção
gramatical. Não que eu estivesse ciente das normas e fosse um prodígio
literário, ou um gramático esnobe maquiado de criança insolente. Era como eu
dizia, o “tu” era próximo e imediato, chegava sem rodeios ao meu ouvinte, mas o
“você” era distante e esguio, fazia ziguezague, driblava a atenção e chegava ao
alvo sorrateiramente.
Devia
me causar espanto que, falando eu como se fosse sobre um terceiro, fosse
correspondido pelo companheiro de conversa, que me entendia e respondia de
volta, também falando comigo como se falasse de outro. “Sente-se bem?” – eu
perguntava, dedicado de coração à saúde e aos sentimentos do meu amigo que
estava ali, ao alcance das minhas mãos, e parecia-me, não obstante, que eu
estava a perguntar sobre o animal doméstico convalescente do seu vizinho. A mim
ele devia perguntar: “Como eu me sinto ou como se sente o gato de Alfredo?”. E
eu, na esperança de resolver todo equívoco, diria: “Tu, como te sentes? Estás
bem?”. As palavras disparariam sem desvio para o objeto do meu zelo e ele
balançado pelo impacto da minha preocupação responderia: “Estou bem, obrigado
por perguntar”. Bem que eu gostaria de usar “tu” ao invés de “você” nas minhas
conversas e dizer com as palavras o que já mostra o cara-a-cara, o
olho-no-olho. O sentido não escorreria pelo canto da boca, não daria volta no
mundo antes de chegar a conta-gotas no ouvido alheio, mas fluiria direto,
potente e impactante.
Pena que não posso,
pois eu soaria artificial e extravagante. Uma vez que cresci, a saída que
encontrei foi ler os romances antigos e a Bíblia. Que delícia para os olhos e
para os ouvidos! É verdade que não me sinto atraído pelos modos polidos dos
personagens românticos, mas não posso negar que me emociona a solenidade épica
da Sagrada Escritura, que também se encontra nos poemas gregos e romanos. Pesando
prós e contras, fico imaginando que, se eu conversasse usando “tu”, eu até
poderia passar pelo constrangimento de parecer caricato, mas em minha
imaginação eu seria uma caricatura com um espírito próximo e aventureiro.
Comentários
Postar um comentário