Da infância à conclusão dos estudos somos rodeados pela pergunta "o que você quer ser?". Se acaso algum observador de outro mundo testemunhasse a freqüência com que ela é feita, talvez julgasse que a raça humana é dentre todas a mais preocupada com a formação de homens e mulheres eminentemente éticos ou, então, nos considerasse os seres mais existencialistas das galáxias. Entretanto teríamos de frustrar as conclusões do nosso observador alienígena e revelar-lhe que a interrogação, desde o início, tratava de profissão. A pergunta é se queremos ser médicos, advogados ou engenheiros, as três carreiras que efetivamente existem no imaginário popular. O resto é emprego. Mas não precisamos parar aqui e discutir vocabulário, podemos avançar até a próxima curiosidade sobre o modo como pensamos: que a pergunta companheira dos primeiros anos da vida cede lugar à urgência por ganhar dinheiro.
A escolha da expressão não é por acaso. Era possível escrever "trabalhar", "obter o sustento", "seguir carreira", "conseguir um emprego", mas as palavras que ocupam os bares, as salas de espera, os aparelhos celulares e os bate-papos são exatamente as já apresentadas: ganhar dinheiro. Entendamos bem, pois a ênfase não foi apenas um artifício para debochar do desejo de enriquecer ou condená-lo nas linhas seguintes. Tampouco o interesse é brincar com o sentido de ganhar, como se eu imaginasse trabalhadores pedindo dinheiro de presente aos chefes - embora eu deva confessar que, pelo verbo, eu imagino os proletários bradando gritos de guerra, enquanto agitam suas enxadas e seus computadores, acuando os empregadores atrás das suas escrivaninhas. Assim parece-me que ganham porque conquistam. Mas o foco é outro. A inocência despreocupada dava-nos, mesmo que limitadamente, a chance de sonhar com um sentido superior para o trabalho, como se falássemos de uma vocação ou de um sentido para a vida. Podíamos fazer mais do que gastar nossas energias para receber um salário. Podíamos curar pessoas, defender os injustiçados, construir pontes.
Contudo a chegada da maioridade trouxe consigo muitas preocupações materiais. Aquela roupa, aquele sapato, aquele carro, aquelas festas. Não se trata de discutir se o dinheiro é melhor empregado em outros coisas - apesar de eu suspeitar que, segundo a sensibilidade moderna, a discussão se encerraria com a decisão de doar tudo para a reconstrução do universo ou para a salvação de gatinhos fofinhos -, porém a questão é que nós estamos nos empregando por dinheiro, simplesmente. A sugestão obviamente não é trabalhar de graça, mas ganhar dinheiro por profissão, ou seja, por algo que queremos realizar além da simples aquisição do sustento e do conforto.
Para tanto podemos considerar a verdade bíblica de que o trabalho visa, além do sustento e da provisão daqueles bens de que precisamos, a realização de uma missão. Pois o verniz da punição divina e do suor de Adão esconde uma sólida madeira que, por Noé, navegou e protegeu vidas contra dilúvios; que, por Moisés, pastoreou ovelhas e abriu mares para a liberdade; e que, sendo esculpida por um silencioso carpinteiro, foi também suspensa no Calvário e venceu guerras, divisões, males e a morte. O trabalho pode, então, frutificar mais do que supomos; seus ganhos podem superar o valor da folha de pagamento. E o caminho não é voltar a se perguntar o que queremos ser, pois podemos recair e dizer "ser bem vestido, bem rico e bem popular". Mais apropriado, parece, é meditar sobre o bem que queremos realizar, estando bem vestidos, ricos e populares ou mal vestidos, pobres e desconhecidos.
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