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Mostrando postagens de 2009

Círculo Vicioso

Por Machado de Assis Bailando no ar, gemia inquieto vagalume: _"Quem me dera que fosse aquela loura estrela Que arde no eterno azul, como eterna vela!" Mas a estrela, fitando a lua com ciúme: _"Pudesse eu copiar a transparente lume, Que, de grega coluna à gótica janela, Contemplou, suspirosa, a fronte amada e bela!" Mas a lua, fitando o sol com azedume: _"Mísera! Tivesse eu aquela enorme, aquela Claridade imortal, que toda a luz resume!" Mas, o sol, inclinando a rútila capeta: _"Pesa-me esta brilhante auréola de nume... Enfara-me esta azul e desmedida umbela... Por que não nasci eu um simples vagalume?"

Mistério

O mistério tornou-se, para mim, um tema de pensamento, quando li, pela primeira vez, o livro de Jacques Maritain chamado Sete lições sobre o ser . Nesse livro, Maritain tem como objetivo mostrar a atualidade do pensamento tomista e, para tanto, já nos primeiros capítulos, ele apresenta a distinção entre problema e mistério . Se bem compreendi, essas noções são dimensões de uma mesma realidade: o problema é a parte a ser solucionada e o mistério a parte a ser aprofundada. Maritain evoca várias imagens para esclarecer essas coisas. O problema é como o novelo de lã a ser desembaraçado, por isso algo a ser resolvido. O mistério é como fonte de água a ser continuamente consumida - bebemos sempre, mas, não importa o quanto bebemos, sempre há mais*. Quando li esse livro de Maritain, também li O que é filosofia? de Deleuze e de Guattari. Não sei se estou fazendo grande confusão ao misturar a reflexão desses autores, mas quando li Deleuze descrevendo os planos de imanência, suspeitei que, no

Saramago e seu ateísmo de manual

Como nos informa o jornal Folha de São Paulo, José Saramago publica esta semana o romance "Caim", definido pelo próprio autor como um livro destinado a fazer uma crítica às religiões judaico-cristãs. Pelo que informa a reportagem, Saramago escolheu como seu porta-voz o personagem bíblico Caim; no caso, Caim (que matou o irmão e foi condenado a vagar errante pelo mundo) viaja pelos tempos e lugares do Antigo Testamento, para testemunhar as atitudes de um Deus vingativo, castigador dos bons, carrancudo, etc. Saramago não é original nesse ponto. Esse tipo de visão é típica dos manuais ateus mais superficiais, ou melhor, é uma visão própria de pessoas que não se dedicam a ler a Bíblia com atenção, mas, sim, com certa pressa, aquela pressa dos "livres pensadores" — preocupados demais com os assuntos mais racionais e relevantes. Saramago diz a respeito da Bíblia: " À Bíblia eu chamaria antes um manual de maus costumes. Não conheço nenhum outro livro em que se ma

Mudam-se os tempos

por Luís Vaz de Camões Mudam-se os tempos, mudam-se as vontades, Muda-se o ser, muda-se a confiança; Todo o mundo é composto de mudança, Tomando sempre novas qualidades. Continuamente vemos novidades, Diferentes em tudo da esperança; Do mal ficam as mágoas na lembrança, E do bem, se algum houve, as saudades. O tempo cobre o chão de verde manto, Que já foi coberto de neve fria, E em mim converte em choro o doce canto. E, afora este mudar-se cada dia, Outra mudança faz de mor espanto, Que não se muda já como soía. .................................................................................................... Este é um poema que, penso, tem muito a dizer. É fato que as coisas mudam, na natureza, na cultura, na vida contidiana. Também é fato que registramos, na memória, muitas dessas mudanças - e diria que, das coisas más, não só mágoas - como supôs Camões -, mas, pela perversão do homem, até mesmo um certo prazer contido e silencioso, ou mesmo um sentimento vivo de vingança e cruelda

A profecia

por Matheus Monteiro Existe uma praia Existem peixes de vários tamanhos cores, credos... Eles sufocam com o ar. Quem vai os libertar? A morte? Mas e a vida? A ilusão? Mas e a verdade? Liberdade em ser, ver e sentir... Existe a praia, Existem peixes. E o mar? Existe o mar? Ele está lá. Mas por que peixes na praia? Perderam-se nas marés da incredulidade, Eles sufocam com o ar. Quem vai os libertar?

O passar das horas

O passar das horas é uma aventura surpreendente. Cada instante que passa se desfaz como fina poeira, cada novidade cai-nos como um novo enigma, um silêncio que, subitamente, encontra sua voz. Viver no tempo é saltar no escuro: tentamos reter algo do que é deixado para trás, descobrimos um novo solo onde agora pisamos e não fazemos ideia do que nos aguarda adiante. Mas, essa situação não deve nos preocupar absolutamente. Do mesmo modo que podemos cair num buraco sem fundo, podemos encontrar, também, um lugar melhor, com mais beleza e paz. Basta-nos a coragem de viver.

Filosofia necessita da sua história?

No primeiro ano de filosofia, alguns dos meus colegas veteranos e alguns dos professores me apresentaram o que pensavam ser o cerne da atividade filosófica: a leitura estrutural dos textos escritos pelos grandes filósofos. Tratava-se de uma tarefa cansativa, mas, surpreendentemente, reveladora: desde cedo, eu e meus colegas calouros ficamos cientes de quanto nossas habilidades de leitura e escrita estavam aquém do grau exigido para um boa compreensão e reconstrução dos argumentos dos filósofos. Com o passar do tempo, principalmente no meu caso, convenci-me de que a filosofia se restringia ao bom entendimento e à rigorosa formulação de argumentos. Bem, não preciso prolongar tanto essa descrição para dizer que, hoje, não estou tão convencido disso. A filosofia que aprendo é uma filosofia que propõe um diálogo constante com a história da filosofia. Devo deixar claro que estudar a história da filosofia, neste caso, não significa ler manuais de filosofia. Em geral, a comunidade acadêmica nã

Como vejo a filosofia no meu tempo

A filosofia que me é ensinada é uma filosofia comprometida com os textos e com seus respectivos autores. Aprendo a analisar argumentos - identificá-los e reconstruí-los - e, de certo modo, reaprendo a ler e a escrever para melhor cumprir esse ofício. Não preciso ter um conhecimento muito extenso de história da filosofia para perceber que essa atividade está muito aquém do que significa filosofar, mas, no instante em que tenho essa percepção, vem-me também a pergunta: o que é a filosofia, para que de sua definição eu extraia os critérios para acusar o que aprendo como não sendo filosofia? Não tenho resposta consistente para essa pergunta, quem dirá correta. Penso que essa minha indisposição ou, melhor, inabilidade em dar resposta a essa pergunta, tão fundamental a um estudante de filosofia, é o preço que a minha geração paga por uma dívida contraída em algum momento, por algum pensador. Não arrisco apontar o autor da dívida, mas é inegável que ela tenha sido contraída. Que dívida seria

Alvorecer do Mistério

No princípio, os homens disseram “ser” e o universo do pensamento foi criado. Eles pensaram e esse universo encheu-se de luz. Essa luz expandiu-se, fertilizando o que tocava, e germinavam imagens, ideias, conceitos e ordem. Os homens firmaram tudo sobre a verdade: os mares da especulação, as vegetações conceituais e a vida e a felicidade dos espíritos. Eles contemplaram essas coisas e eles viram que eram boas. Satisfeitos, descansaram. Mas, quando acharam que tudo estava pronto, eis que surgiu um sinal: uma dama vestida de sol, radiante, viva, aura vibrante de tons gregos, romanos, árabes, judeus, cristãos... da sua boca saíram oráculos para todos os tempos. Apontou para o horizonte da luz humana e disse: “Tudo o que vos falo é fruto do mistério da realidade. Contemplai esse mistério e sede dóceis a vossa luz. Olhai o mundo com olhos de fogo e feri a vossa dúvida com a lâmina de vossa inteligência!”. Reverenciando tão formosa aparição, aqueles homens juraram seu amor a tão esplendida m