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Meditação quaresmal

Meditação para a Quaresma: a sede de amor e a solidão no mundo

Todos já ouvimos alguém dizer que o amor de outra pessoa é necessário à nossa felicidade. De fato, ou ao menos parece ser verdade, que sozinhos não podemos ser felizes. Mas, quando pensamos nesse assunto, tendemos a julgar que "estar só" significa não ter ninguém por perto, se bem que, no fundo, no fundo, o que acontece é que, deste lado, estamos nós com o anseio de "ser alguém para alguém"  —  ainda que seja qualquer um — e, de outro, está a vastidão de um universo que não mostra muito interesse nisso. Até temos amigos — o leitor pode dizer em sua defesa que os têm muitos. Talvez até estejamos em um namoro, em um casamento. Mas quem pode dizer, com segurança e honestidade, que não se sente só? Mesmo o Senhor sentiu-se sozinho no Horto das Oliveiras, deixado pelos apóstolos, e no alto da cruz, abandonado pelo próprio Deus! "Pai, por que me abandonastes?". Somos, assim, tentados a crer que a solução consiste tão só em sentir-se amado, ainda que por uma só pessoa. Se somos amados, não estamos sozinhos, somos felizes. Pergunto, porém: como saber que somos amados? E o que dói mais: não ter quem nos ame ou tê-lo, mas com a impressão de que não o tem?

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Como um leproso aos pés do Senhor

     Será que compreendemos o que é o amor? Será que entendemos os sinais que nos dá a solidão? Essas perguntas me levam a uma improvável cena do Evangelho. Naquele tempo, em que o Filho de Deus pisava sobre a terra e o ar lhe passava pelos pulmões, para deles sair e se espalhar pelos quatro cantos do mundo, abençoando a criação, conta-se que um homem sofria de lepra, razão por que era evitado por todos da cidade. Por lei, se ele andasse pelas ruas, devia tocar um sino e gritar "impuro". Quase nada é revelado a respeito da sua identidade. Quem ele era? Como se chamava? O que havia feito com os seus dias de mocidade?  Em que obras empregou o esforço dos seus braços e da sua inteligência? Antes que aquela doença terrível consumisse sua carne, antes que ela o tornasse invisível por causa da repugnância que imprimia na imaginação dos outros, será que esse homem conhecera o amor?

     Talvez ele fosse muito famoso, talvez fosse um anônimo, de qualquer maneira. Talvez fosse tão rico que pudesse dar festas todos os dias e cercar-se de amigos do vinho, talvez fosse tão pobre que não tivesse nem uma boa conversa para animar os companheiros. Imagino-o assim, sempre velado por uma imagem estranha a ele próprio. Os amigos que admiravam a sua glória, ou aqueles que o desconheciam, por parecer ordinário. Os amigos que o amavam por sua riqueza, ou aqueles que se apiedavam da sua pobreza. Se elogiassem a sua educação ou desprezassem a sua ignorância — beleza ou feiura, virilidade ou fraqueza, ambição ou complacência, virtude ou mediocridade —, não importa, qualquer juízo que fizessem, seria de uma imagem sua, uma evanescente e distante impressão sobre quem ele era, sem nunca tocarem no cerne da sua personalidade. Eis o ponto: o que é pior? Não ser amado ou apenas parecer que é? Não será isso pior do que ser detestado? Não será pior ainda do que, no lugar do ódio, haver desprezo, como se nem fosse notado?

     Com essas perguntas em mente, se voltamos à cena de sua caminhada pela cidade, em que badalava a própria miséria, tudo muda. O sino podia ser, a princípio, uma forma humilhante de recordá-lo da sua repugnante condição, o metal podia ser até mesmo uma sentença de expulsão do convívio humano (entre os seus, mas sem poder se aproximar deles), sim, sim, eu concedo. Pensem, no entanto: e se for verdade que ele nunca se viu amado ou odiado! Sendo assim, o sino podia ser um grande consolo para si. Saber que todos a ouvir o tintilar, na verdade, escutavam a ele. Ele gritava "impuro", todos ouviam também a isso. Porém, mesmo nessa palavra havia uma traição. Sim, ele estava doente. Sim, ele tinha muitos defeitos, provavelmente havia feito mal a uma pessoa, por mínima ofensa que fosse. Mas não era isso o que se passava na mente dos seus ouvintes. Eles suponham mil coisas a respeito do leproso, nenhuma delas de fato correspondia a ele, nem a pior nem a melhor delas. Todavia, o barulho do sino, cru e simples, enviava uma mensagem clara a todos: ele estava por perto. Assim, ao saberem que ele estava li e saírem, esses homens e mulheres, crianças e velhos, consolavam-no com sua ausência: enfim, haviam reconhecido que ele estava ali. Ele, ninguém mais. Não a imagem que faziam dele, mas ele próprio, com o sino.

     Tratava-se de uma consolação amarga. Havia um interesse real por ele, saber seu nome — "Lá vem L–!" —, ainda que fosse para evitá-lo, ainda que não fosse forte o bastante para oferecer-lhe ajuda ou dirigir-lhe insultos. Ainda assim, havia algum.

     Eu o imagino dizendo: "Antes eu estava entre eles. Alguns me cumprimentavam, outros me contavam piadas e até bebiam à mesa comigo. Falávamos das notícias do dia, comentávamos a moda, lamentávamos o preço das mercadorias, até já choramos a morte de alguém próximo. Mas quem ali me conhecia? Tantas palavras agradáveis recebi, todas fáceis de dizer — trivialidades que serviam até mesmo para descrever um vaso de plantas —, nenhuma delas densa o bastante para parecer crível, nenhuma — nenhuma, tenho certeza — verdadeira a ponto de entrar na alma, abrir-lhe as portas e deixar circular o ar da amizade. Houve também os xingamentos, que me enfureceram, mas antes fosse porque me revelassem algum defeito oculto pela minha vaidade. Pelo contrário, tanto mais me deixaram com raiva por serem tão ocos como os elogios. Mentiras! Mentiras! Mentiras! Agora, porém, estou enfermo. Não tem como eles mentirem sobre isso. É evidente demais. Ai se chegassem a mim e dissessem: "Imagina! O senhor parece muito bem! Um pouco abatido, quem sabe, mas para isso serve o descanso, não é mesmo?", quanta afronta me pareceria! Mas não, graças a Deus. Ao menos disso estou poupado. Toco o sino, grito a minha doença e todos correm para dentro de casa. Sabem que estou aqui. Eu, L–. E não ignoram que só de mim, de nenhum qualquer, devem correr. Quando de mim falarem, duas verdades estarão em suas bocas: L– é leproso e está por aqui. Que desgraça, porém! Por que, de tudo o que podiam ver em mim, decidem agora ver apenas esse infortúnio? Quem poderá me ver? E se ver, se não se prender ao que de melhor descobrir em mim, como poderá me amar depois de ver o pior? Não sei amar, eis o pior. Quero que me veja, quero que me ame, tão inteiramente, tão gratuitamente, sem que nada eu possa garantir em troca. A lepra? Ela não é minha mais grave miséria, definitivamente não é. Por dentro estou corroído pelas tentativas de acertar que me levaram ao erro, descuidos meus que prejudicaram outros. Sim, é verdade. Cumpro a lei, não tenho memória de qualquer ato criminoso ou imoral. No entanto, lembro-me de quando criança certa vez quebrei o vaso da minha mãe, foi um acidente, eu estava apenas brincando, mas eu o quebrei e não pude consertar. "Como reparar tudo, para ser como era antes?", pensei. Eu quebrei muitos vasos depois disso: cada vez, um vaso de uma natureza, de uma pessoa, por uma falta de algum cuidado. Enfim, quem visse toda essa história, como poderia confiar em mim? Eu posso quebrar algo seu. Posso deixar seu corpo doente, com a lepra, e sua alma, com a decepção. Quem me poderia amar assim?"

     Então, no instante deste último pensamento, imagino Jesus se aproximar, com os discípulos, e passar pela rua em que L– está; este, vendo a multidão, pega automaticamente no sino, pronto para começar a tocá-lo. Mas ele se detém. Ao observar aquele homem cercado de gente, ocorre-lhe que possa tratar-se de um profeta que, assim contavam os rumores, estava passando de cidade em cidade, curando os doentes. Certamente, ouvira muitas histórias a respeito, nos becos e nas noites em que se deitara, escondido, próximo das rodas de conversa, cobrindo-se inteiro e fingindo estar dormindo. Aquele homem, conhecido como Nazareno, podia ser o milagreiro. Mas, e se obtivesse a cura, de que isso lhe valeria? Como se uma má notícia voltasse à memória, ele hesita em seguir adiante, para buscar ajuda. Contudo, estão dizendo por aí que as palavras desse santo são verdadeiras, que ele fala e seu ensinamento se dirige ao coração, tamanha a sua autoridade. Será, então, que esse Jesus pode vê-lo? Será que falaria algo amigo e real? Precisa ter certeza de que ele é tal como o descrevem. Ajeita os panos, em seu corpo, para esconder melhor as feridas. Esconde o sino e caminha, esgueirando-se pelos cantos da multidão reunida em torno de Jesus. Olha à procura de um ângulo mais favorável, para ver melhor o que se passa ali no meio da gente, e apura os ouvidos, concentrando-se para escutar tanto quanto possível o que aquele profeta está dizendo para as pessoas e também o que estas comentam entre si.

     De repente, uma mulher passa por L– e começa a abrir passagem pelas pessoas, uma após outra, até chegar próximo de Jesus, que se movimenta lentamente, cumprimentando o povo e abençoando as crianças. Já bem perto, ela se detém, parecendo pensar sobre como fará uma abordagem. L– observa-a com curiosidade, tenta ler qualquer gesto dela que indique seu estado de espírito ou lhe permita adivinhar o motivo de estar ali. Ela põe o braço entre duas pessoas à frente, mas não consegue uma abertura, vai então para a esquerda e mesmo assim não há jeito de passar. Então, para surpresa de L–, a mulher se lança ao chão e estica-se para tocar na barra da roupa de Jesus, que instantaneamente pára. Ele se vira para todos à sua volta, todos se silenciam surpresos, e Ele pergunta: "Quem me tocou?". Ora, pensou L–, havia tantos homens, mulheres e crianças, à esquerda, à direita, à frente e atrás! Foi tocado por tantos e de formas tão incômodas, por que se manifestar a respeito de um toque, ainda mais com uma mulher deitada no chão – sim, pois L– vira que foi uma mulher, aquela que tocou na barra da roupa –, por que dar atenção a um toque tão simples e indireto? "Quem me tocou? Senti como uma energia que saiu de mim.". Os espectadores da cena olham-se entre si, sem entender a pergunta, à procura de alguém que se manifeste e esclareça a situação. Nesse momento, a mulher se levanta e declara: "Fui eu, Senhor. Eu o toquei. Até hoje, sofria de um sangramento, que corria de dentro de mim para manchar minhas roupas e também minha reputação. Sabe o Senhor que muitos me acusavam de ser impura, e não conseguia nem um casamento nem um trabalho, pois todos me repudiavam como a uma condenada. Vim até você, Jesus, como meu último recurso, pois não tenho mais a quem recorrer. Precisava de um remédio. Por favor, perdoe-me se fui inconveniente, se por acaso o desrespeitei, se violei alguma ordem sagrada. Não tenho posses, não tenho autoridade, não sirvo no templo de Deus. Mas, de meu coração, saiba que creio. Eu creio. Minha fé era tão pequena, apenas suficiente para me trazer aqui e arriscar essa ação tão extrema, agora porém eu creio, sem dúvida. Estou curada. No momento que eu o toquei, senti como se a vida voltasse ao meu ventre. Posso dizer inclusive que, pouco antes de encostar na sua roupa, sentia outra vez as dores que precediam o sangramento, mas eu não ia voltar atrás. Que eu passasse vergonha! Que fosse! Mas não desistiria dessa chance. E no momento mesmo em que toquei na sua túnica, Senhor, no mesmo momento eu me senti aliviada, sem dor, sem sangramento. Estou curada. Obrigada!". A mulher se pôs a chorar. Alguns se comoviam com a sua situação e até se emocionavam, dizendo que, sim, era terrível o mal que afligia a mulher e, que bom!, ela conseguira a cura. Outros, porém, olhavam com desprezo. Havia até quem falasse pelo canto da boca ao pé do ouvido de outro, comentando sobre a decadência do mundo, "Olha só, que vergonha! Aonde viemos parar!".

     L– observava tudo, com atenção. Seus olhos passavam da mulher para aquele homem, parado no meio da multidão. Como será que agiria o profeta, aclamado pelos que estavam ali como se fosse a um santo? Será que ele repudiaria a mulher que o tocou? Se ele a repudiar, certamente expulsaria da sua vista um leproso qualquer. Esse era o teste. Perfeito. Tudo dependia de como aquele homem agisse, em uma situação tão improvável e inconveniente para ele.

     Mas L– precisou de tempo até entender os gestos que se seguiram. Jesus não dirigiu nenhuma palavra dura à mulher. Na verdade, por longos instantes, ele não dizia nada, apenas se movia em direção a ela e oferecia-lhe a mão. Então, puxou-a para ficar em pé e disse, em voz alta. "A sua fé salvou a sua vida". Depois, ele a olhou atentamente e, para surpresa de todos, aproximou-se e falou ao ouvido dela, parecendo que contava um segredo à mulher. Esse colóquio não durou mais que um fôlego de respiração, mas, quando Jesus se afastou e continuou o caminho que seguia, a mulher já não parecia a mesma. Em seu rosto, não havia mais a expressão de angústia ou de incerteza, não havia mais vestígio de um sofrimento que teria lhe consumido anos da juventude e várias oportunidades na vida, mas havia claramente uma alegria e uma atitude de combate. Estava claro que sua história, naquele instante, encerrava abruptamente uma fase e iniciava outra. Mas não era como se o sofrimento fosse desaparecer. Não, não era isso. Em seus olhos avermelhados, intensos e úmidos, notava-se claramente que ela ainda aguardava o sofrimento, mas neles também se descobria agora uma convicção e já nenhuma dor poderia derrubá-la. Essa impressão atingiu tão fortemente a consciência de L–, que ele despertou do seu estado atônito e começou a perguntar-se, agitado, qual poderia ser o poder por trás daquele homem e o que ele poderia ter dito à mulher, longe da curiosidade alheia.  

     De todo modo, aquela era a prova que esperava, de forma tão aberta para a visão de todos e ao mesmo tempo tão escondida, existente apenas na dimensão em que L– olhava para a mulher curada. Era uma prova forte o bastante para persuadi-lo. Mas o que ainda o segurava, pesando nas pernas e arrefecendo o ânimo? Lá estava a chance de conseguir a cura para a lepra e ela parecia, com a evidência de um ato de compaixão, ainda mais maravilhosa. Havia então a esperança de uma palavra, talvez dita em segredo, que poderia alcançar a profundidade na qual se escondia a si mesmo, longe de todos os olhos e a salvo de todas as bocas. "E se ele não parar para me ajudar? Quem pararia? Ele não me conhece, e pareço maltrapilho e repugnante. É verdade que ele se compadeceu da mulher. Também disse 'A sua fé salvou a sua vida'. Se tenho fé? Creio que o amor, se existe, faz exatamente o que ele fez. Creio que o milagre, se acontece, é tão transformador como foi para aquela sofredora, que se viu livre de uma condenação e não mais mostrou vacilação para combater nas lutas deste mundo. Creio que alguém bondoso e poderoso o bastante para agir como Deus, só pode proceder dele. Está decidido: eu creio."

     L– precisou de apenas um passo para frente e já o sangue fazia circular o calor da coragem para os outros membros e, assim, para o passo seguinte, até que não mais andava, mas corria, e não tinha outro rumo senão chegar até o média de sua alma. Desviava de um, pedia passagem, esbarrava em outro. "Arre! A lepra! E estes que não me deixam passar! Não tenho tempo a perder avisando-lhes sobre ... mas, claro! É isso". Com ímpeto, começava a gritar: "Leproso!", e tocava o sino. "Impuro!" e tocava o sino com mais força. Todos a sua volta subitamente se afastaram, como se ali no meio, do nada, descobrissem uma ameaça horrorosíssima e fatal. L– ainda toca o sino, perdido numa emoção desalentada e febril, quando então olhou para a frente e percebeu que estava isolado, rodeado de ausências com medo dele, porém observado pela única presença que importava. Jesus o olhava sem sombra de desconfiança nem de reprovação. Ali em pé, com os olhos firmes e serenos, pareceu a L– como uma força maior do que a terra, o vento, o Sol e todos os descendentes de Abraão; pareceu-lhe que Jesus não apenas aguardava sua aproximação, mas esperava-o desde todos os séculos, saído de uma eternidade imperturbável mas, ainda assim, atravessada pela simples razão de encontrar-se com aquele homem leproso que tocava o sino. O profeta, o santo, o milagre estava ao alcance de L–.

     Posso até ver o homem doente que arrasta os passos, lutando para vencer a própria vergonha; controlar o sentimento que lhe aperta a garganta e não o deixa dizer nada ainda; firmar as pernas em uma caminhada de pouca distância, mas que se alonga e cresce à medida que aumenta sua convicção de que, ele próprio, não é nada e está mais próximo de tudo. Por fim, chegando ao seu destino, vencido, ele se prostra diante de Jesus e, de tanto que deseja comunicar em um só pedido sua vida inteira, de seu coração saem estas palavras, contendo muito mais do que forma conseguiria comportar: "Senhor, se você quiser, tem o poder de me purificar!".

     A sorte estava lançada. Quando o homem rasga o coração, não vemos nele apenas um corpo de joelhos com as mãos estendidas, nem apenas um rosto contorcido e olhos com lágrimas. Vemos, na realidade, um segredo confessado com dor, uma fortaleza rendida, de armas baixadas e portões abertos. Nesse momento, qualquer inimigo tem a oportunidade de fazer mais do que atingir um aspecto da vaidade, pode cravar uma espada diretamente no que a pessoa mais ama e matá-la para sempre.

     L– estava entregando aos pés de Jesus toda sua esperança. "O Senhor resiste aos soberbos, mas compadece-se dos humildes", diz a Palavra de Deus. Jesus inclinou-se até ele, pôs a mão esquerda em seu ombro e disse: "Eu quero. Você está purificado". No mesmo instante, o homem sentiu as feridas se fecharem, a pele curar-se e ficar suave com a sensação de uma brisa, e antes que ele pudesse se levantar, Jesus aproximou-se do seu ouvido e disse:

— LÁZARO, não tema. Estou fazendo isso, porque eu te amo. Sei que você sofreu muito por acreditar que está sozinho, que ninguém consegue vê-lo pelo que realmente é, que mesmo se o conhecessem não o aceitariam. Meu amigo, não se consuma mais nesses pensamentos. A sua história não se resume aos erros do passado, e a sua existência não é um engano. Você é um milagre de Deus, um milagre do Seu grande amor, um milagre que acontece a cada momento. Esqueça, então, das mentiras que contaram sobre a sua vida. Você é um milagre de Deus. Antes que você fosse gerado no ventre materno, eu já o conhecia inteiro e, desde que o chamei à vida, para conhecer meu amor, eu habito sua alma, para sempre estar com você. Eu estive com você quando nas festas bebia e recebia elogios e cumprimentos, nos quais não acreditava, e estive com você na lepra, quando batia o sino e todos fugiam. Eu nunca saí de perto de você. De dentro de sua alma, posso ouvir o pedido. Por isso digo, meu pequeno Lázaro, não tema ferir-se na amizade. As decepções vão acontecer, porque seus irmãos são seres humanos, assim como você o é. Perdoe-se, perdoe-os também. Amar vale todo sacrifício, porque se perdemos uma vida, muitas outras são ganhas. 'E se ninguém acolher o seu amor?'. Eu o acolho, como uma riqueza de valor incalculável. Tantas vezes você teve medo de entregar o coração nas mãos de outra pessoa. Imaginou que, mais cedo ou mais tarde, talvez até no mesmo instante, ele seria esmagado ou jogado ao chão, como lixo. Filhinho, eis aqui o meu coração. Tome-o. Dê-me também o seu. Eles baterão juntos, e eu serei a vida de sua vida, e você será um tesouro guardado em meu peito por toda a eternidade. Deixe que o fogo da caridade inflame a sua alma e se torne um incêndio tão gigante que o mundo todo, até agora coberto pela escuridão do desespero e da indiferença, seja novamente cheio da luz dos primeiros dias. Ontem você quebrou um vaso velho e hoje faço de você um novo, uma urna de graças. Creia em mim, pois faço novas todas as coisas.

Fim

Confira também a meditação de 2015, disponível aqui, e a de 2014, disponível aqui.

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