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Por que assistir a "O destino de uma nação", sobre Wilston Churchill?

     O filme "Darkest Hour", do diretor Joe Wright e baseado no livro homônimo do escritor Anthony McCarten, apresenta um momento decisivo da vida de Wilston Churchill, quando o Reino Unido entra na Segunda Guerra, contra os regimes totalitários da Itália e da Alemanha, e o homem assume o cargo de primeiro ministro. O ocupante anterior desse cargo, pertencente ao partido conservador, é levado à renúncia por pressão da oposição progressista, que o acusa de falhas desastrosas e, por isso, recusa-se a formar coalizão com os adversários políticos naquele momento crítico. O nome de Churchill parece ser o único aceitável, embora também este tivesse na conta decisões políticas que resultaram em tragédia. Por que ele, então?
     O caminho explorado pelo roteiro foi mostrar que, entre as vozes políticas, Churchill era o mais assertivo em combater os regimes totalitários (o nazista, principalmente) e em proteger a soberania inglesa, bem como sua sociedade, seus valores, seus princípios civilizacionais. O primeiro ministro recusa-se a negociar com a Alemanha nazista, convicto de que a diplomacia nesse caso seria um equívoco. "Não aprendemos ainda com a história? Quantos tiranos ainda vamos bajular até aprendermos que não se negocia com o tigre quando nossa cabeça está em sua boca?", ele brada aos colegas vacilantes, que tentam conciliação em nome da sobrevivência. 
     O filme se desenvolve, apresentando precisamente a complexa rede de interesses, ritos burocráticos, negociações, na qual Churchill teve de mover-se para concretizar sua idéia de combate e resistência. Na classe política, Churchill é visto como um romântico, alguém que ainda acredita em morrer em defesa da pátria. Seus colegas são homens pragmáticos, que preferem salvar as condições materiais de subsistência a lutar pelos valores que as forjaram, valores que, para esses homens, são apenas um enfeite ideal para o fato material — neste ponto, vale a leitura sobre o "homem prático", descrito por G. K. Chesterton no livro O que há de errado com o mundo?.
     Para mim, o momento mais tocante é o telefonema de Churchill para Roosevelt, em que pede ao então presidente dos Estados Unidos ajuda para resgatar os soldados ingleses encurralados em Dunquerque. O presidente recusa a ajuda, em nome de "acordos", e mostra-se indisposto a envolver-se na guerra. Os sentimentos de desamparo e de desnorteamento são visíveis no semblante de Churchill. Será possível que ninguém mais enxergava a grave ameaça representada pela expansão do Terceiro Reich? Não haveria mais nenhum homem com coragem para combater os inimigos do mundo livre? Ninguém que tivesse o senso moral capaz de reconhecer um perigo maior em comparação a outros e de responder ao pior deles pronta e diretamente, sem prender-se a formalidades secundárias que só têm sentido nos fundamentos da ordem e da paz?

     Em nosso proveito, creio que podemos meditar sobre dois pontos, centrais na história contada:
1) Qual é a sociedade onde habitamos? Queremos preservá-la? Estamos dispostos a lutar por ela?

2) Quais são as ameaças internas e externas a ela? Estamos atentos para reconhecê-las, sem maquiar sua periculosidade? Estamos prontos para combatê-las e vencê-las?

     Há ameaças reais ao Brasil e à sua população. Mas estamos capacitados para reconhecê-las? A classe científica e acadêmica está à altura desse desafio? De fato, se não conseguimos responder a estas perguntas, pouco adianta tentar responder às duas anteriores. 
     Eis o que deveria ser nosso principal objetivo, então: "acordar para a realidade" por meio do cultivo das virtudes intelectuais e morais. Pois pior do que tentar negociar com o tigre que nos agarra a cabeça é ser completamente incapaz de reconhecer sua existência e nossa condição alarmante. É uma condenação à morte sem ao menos ter a chance de lutar.    

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