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Matthias Grünewald e a "Crucifixão"

"Crucifixão", de Matthias Grünewald (1510 - 1515)

Gostaria apenas de partilhar esta imagem da Paixão de Nosso Senhor. À direita vemos São João Batista apontando Jesus crucificado. Entre sua mão e sua cabeça está escrito em latim: "É necessário que Ele cresça, porém que eu diminua" - frase que o Batista disse, segundo a narração de São João, Apóstolo e Evangelista. Sob a mão indicadora de São João Batista, vemos o cordeiro abraçando uma cruz e jorrando sangue dentro do cálice. Esta é uma alusão clara ao sacrifício de Nosso Senhor, Cordeiro de Deus, que tira o pecado do mundo e sua expressão sacramental na Santa Missa. 

Porém, o mais impressionante desta pintura é a retratação da dor feita por Grünewald. As mãos retorcidas de Cristo é um detalhe impactante, pois expressam um intenso sofrimento. O rosto abatido de Jesus transparece a serenidade, mas também a exaustão após sofrer tantos suplícios. Gombrich, em seu livro "História da Arte", chega a relacionar os tipos de ferimentos retratados por Grünewald como próprios da peste, que havia assolado a  Europa durante anos. Sendo assim, o artista tentara contextualizar o sofrimento de Cristo naquele vivido pelas pessoas do seu tempo. 

Mais uma vez, é preciso notar a expressão de dor de Maria, pálida de dor e desfalecida nos braços de São João, Apóstolo e Evangelista - o mais jovem, porém único dos Doze Apóstolos a seguir Jesus até a Paixão. A feição da Santíssima Virgem exprime a mesma serenidade e exaustão de Jesus na Cruz e pode-se dizer que ela participa dessa entrega do seu filho como se ela também estivesse sendo crucificada com Ele. Suas mãos postas em súplica, sugerem apelo, mas também entrega, tal como os prisioneiros que oferecem as mãos para serem levados sob custódia. O rosto de São João, Apóstolo e Evangelista, também transmite dor profunda. É interessante que ele não está olhando para Jesus, diretamente, mas para Maria. Considerando que São João é, em geral, interpretado como todos os filhos da Igreja (à luz da passagem que diz "Mulher, eis aí o teu filho"),  pode-se dizer que ele representa a Igreja que, depois desses acontecimentos, chegará à intimidade de Nosso Senhor por meio da Sua Mãe, tal como ensina São Luiz Maria G. Montfort no Tratado

Aos pés da cruz está, provavelmente, a mulher que outrora havia lavado os pés de Jesus com perfume e lágrimas - o que explicaria o vaso - e enxugado com seus cabelos - o que explicaria o comprimento do cabelo. Novamente, a expressão de dor é notável.

Se eu pudesse resumir, diria que este é um quadro sobre o sofrimento. Grünewald pintou rostos e expressões de intensa dor. Vale a pena admirar esta linda pintura por este simples fato. 


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