Pular para o conteúdo principal

Lira do amor romântico


Atirei um limão n'água
e fiquei vendo na margem.
Os peixinhos responderam:
Quem tem amor tem coragem.

Atirei um limão n'água 
e caiu enviesado.
Ouvi um peixe dizer:
Melhor é o beijo roubado.

Atirei um limão n'água,
Como faço todo ano.
Senti que os peixes diziam:
Todo amor vive de engano.

Atirei um limão n'água,
Como um vidro de perfume.
Em coro os peixes disseram:
Joga fora teu ciúme.

Atirei um limão n'água,
mas perdi a direção.
Os peixes, rindo, notaram:
Quando dói uma paixão!

Atirei um limão n'água,
ele afundou um barquinho.
Não se espantaram os peixes:
Faltava-me o teu carinho.

Atirei um limão n'água,
o rio logo amargou.
Os peixinhos repetiram:
É dor de quem muito amou.

Atirei um limão n'água,
o rio ficou vermelho
e cada peixinho viu
meu coração num espelho.

Atirei um limão n'água,
mas depois me arrependi.
Cada peixinho assustado
me lembra o que já sofri.

Atirei um limão n'água,
antes não tivesse feito.
Os peixinhos me acusaram
de amar com falta de jeito.

Atirei um limão n'água,
fez-se logo um burburinho.
Nenhum peixe me avisou
da pedra no meu caminho.

Atirei um limão n'água,
de tão baixo ele boiou.
Comenta o peixe mais velho:
Infeliz quem não amou.

Atirei um limão n'água,
antes atirasse a vida.
Iria viver com os peixes
a minh'alma dolorida.

Atirei um limão n'água,
pedindo à água que o arraste.
Até os peixes choraram
porque tu me abandonaste.

Atirei um limão n'água.
Foi tamanho o reboliço
que os peixinhos protestaram:
Se é amor, deixa disso.

Atirei um limão n'água,
não fez o menor ruído.
Se os peixes nada disseram,
tu me terás esquecido?

Atirei um limão n'água,
caiu certeiro: zás - trás. 
Bem me avisou um peixinho:
Foi passado pra trás.

Atirei um limão n'água,
de clara ficou escura.
Até os peixes já sabem:
Você não ama: tortura.

Atirei um limão n'água,
e cai n'água também,
pois os peixes me avisaram
que lá estava meu bem.

Atirei um limão n'água,
foi levado na corrente.
Senti que os peixes me diziam:
Hás de amar eternamente.




Por Carlos Drummond de Andrade 
(em "Amar se aprende amando")

Comentários

Postagens mais visitadas deste blog

Matthias Grünewald e a "Crucifixão"

"Crucifixão", de Matthias Grünewald (1510 - 1515) Gostaria apenas de partilhar esta imagem da Paixão de Nosso Senhor. À direita vemos São João Batista apontando Jesus crucificado. Entre sua mão e sua cabeça está escrito em latim: "É necessário que Ele cresça, porém que eu diminua" - frase que o Batista disse, segundo a narração de São João, Apóstolo e Evangelista. Sob a mão indicadora de São João Batista, vemos o cordeiro abraçando uma cruz e jorrando sangue dentro do cálice. Esta é uma alusão clara ao sacrifício de Nosso Senhor,  Cordeiro de Deus, que tira o pecado do mundo  e sua expressão sacramental na Santa Missa.  Porém, o mais impressionante desta pintura é a retratação da dor feita por Grünewald. As mãos retorcidas de Cristo é um detalhe impactante, pois expressam um intenso sofrimento. O rosto abatido de Jesus transparece a serenidade, mas também a exaustão após sofrer tantos suplícios. Gombrich, em seu livro "História da Arte", chega a

Por que assistir a "Arrival", de Denis Villeneuve?

     Minha intenção era escrever sobre este filme depois de ler o conto "História da sua vida", de Ted Chiang, no qual o roteiro se inspirou. Porém, após alguma meditação, decidi que seria melhor avaliar a obra cinematográfica do diretor Denis Villeneuve em seu próprio formato e realidade, já que provavelmente este é o produto com mais chances de difusão no Brasil. Para compôr este texto, evitei me apoiar em outras publicações da internet, o que não quer dizer que eu não tenha lido algumas. No geral, fiquei decepcionado com o tipo de recepção que o filme teve entre os interessados em cinema, pois a qualidade das análises, mesmo quando positivas, era muito superficial. A culpa deve ser minha, do meu apego aos símbolos e a quase completa ignorância dos aspectos técnicos. É verdade que "luz, câmera e ação" podem ser elementos fascinantes para críticos de cinema ou aspirantes à carreira na sétima arte, mas tenho minhas dúvidas sobre o que a técnica pode revelar sobre o

Intellectual production 2009-2017

T HIS IS MY PERSONAL BLOG, in which I publish some texts about books I am reading, movies I liked or any other suject of my interest. But for those who would like to know a bit more about my work as a philosopher, here I present some of the essays and papers I published. They are mostly in Portuguese for obvious reasons, but I promise there will be some in English and in other languages—help me God in this project. Enjoy the reading, and feel free to contact me, raising questions, making remarks or proposing new topics for philosophical reflection. Dissertation (Master Degree): MONTEIRO, M. H. G. The reality of the possibles according to Thomas Aquinas . Dissertation. Institute of Philosophy and Human Sciences, UNICAMP. Campinas, Brazil: 2014. 123 p.  Access: here . Chapter in Books: (1) MONTEIRO, M. H. G. The reception of contra Proclum in sixteenth century. In: ÉVORA, F. R. R.; MONTEIRO, M. H. G. (orgs.). Ancient Philosophy and its Reception in Early Modern Philosophy .