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Como o Bom Ladrão

Meditação para a Quaresma : a vida de São Dimas

O Padroeiro da Matriz de São José dos Campos é São Dimas, o Bom Ladrão. Embora não seja nomeado na Sagrada Escritura, a Tradição da Igreja o apresenta como Dimas e como santo, este último em atenção à promessa feita por Nosso Senhor: "Hoje entrarás comigo no Paraíso". Como joseense por adoção e crente na Providência Divina, dediquei-me a meditar sobre sua vida e aqui partilho com meus irmãos de fé os frutos dessa meditação para a Quaresma. Boa leitura. Salve Maria.  

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Como o Bom Ladrão

São Dimas gastou sua vida no erro, preferiu saciar a fome do corpo à fome do espírito, buscando antes os bens materiais, o prazer e o conforto do que a salvação, e tal foi seu apego a si mesmo que, por cobiça ou por desespero, tomou dos outros o que não lhe pertencia nem lhe cabia ter, o que lhe mereceu o título de ladrão. Desde o seu nascimento teve a chance de buscar a Deus e, antes daquele momento mortal na cruz, durante os três anos da pregação de Jesus por aquelas terras, quantas vezes teve a chance de encontrar-se com Ele, de ouvi-lo e de segui-Lo!

Não teria ele ouvido Nosso Senhor dizer "Eu sou o caminho, a verdade e a vida"? Não teria ele visto Nosso Senhor curando os doentes? Não teria ele testemunhado os vários gestos de acolhida e de misericórdia com que Jesus recebia os mais necessitados e mais excluídos? Não teria escutado a exortação de Nosso Senhor: "Convertei-vos e crede no Evangelho"?

Se ouviu, se viu, se testemunhou, se escutou, não deu atenção, não aceitou. Mas Deus não desistiu de Dimas, pois o amor de Deus é para sempre. O Senhor nos busca incessantemente, desde que nascemos até o último minuto próximo da morte.

Na hora mais dolorosa da sua vida, Dimas viu-se acompanhado de Jesus. Ele, um ladrão, carregava a cruz dos seus pecados, Jesus, o Cristo, carregava a cruz dos pecados de toda humanidade. Naquele momento em que os homens se voltavam contra ele, Dimas, e cobravam o preço das suas faltas, Nosso Senhor se punha ao seu lado, sofrendo os mesmos e piores insultos e castigos. Deus muitas vezes atraiu a atenção de Dimas, chamando-o à conversão, mas aquele não quis. Então num gesto último e extremo de amor, Deus permite que Dimas sofra, mas, ao invés de olhar de longe, põe-se junto, próximo, comungando da mesma dor. 

"Os transeuntes injuriavam-no, meneando a cabeça e dizendo: 'Tu que destróis o Templo e em três dias o reedificas, salva-te a ti mesmo, se és Filho de Deus, e desce da cruz'. ... E até os ladrões, que foram crucificados junto com ele, o insultavam" (Mt 27, 39-44)

Até o último instante, Deus o atrai a Si. Próximo do último suspiro, Deus concedeu-Lhe uma gigante amostra da Sua Misericórdia, o Senhor estava ali ao seu lado, pregado à cruz como ele, odiado pelos homens como ele, sentindo-se só como ele, mas amando incondicionalmente e oferecendo-se sem limite. 

"Jesus dizia: 'Pai, perdoa-lhes: não sabem o que fazem'" (Lc 23,34)

Próximo do momento da morte e diante da manifestação da Divina Misericórdia, Dimas reconhece a inocência de Jesus, reconhece que ele próprio, Dimas, está em pecado e que merece aquela punição.

"Um dos malfeitores suspensos à cruz o insultava, dizendo: 'Não és tu o Cristo? Salva-te a ti mesmo e a nós'. Mas o outro, tomando a palavra, o repreendia:'Nem sequer temes a Deus, estando na mesma condenação? Quanto a nós, é de justiça; pagamos por nossos atos; mas ele não fez mal algum'. E acrescentou: 'Jesus, lembra-te de mim, quando vieres com teu reino'. Ele respondeu: 'Em verdade, eu te digo, hoje entrarás comigo no paraíso'". (Lc 23,39-43)

Sua compulsão interior é intensa, o sofrimento físico causado pelas chagas se empalidece diante do sofrimento espiritual causado pela culpa de ter ofendido a Deus. Arrepende-se dos próprios pecados e é quando Dimas reconhece Jesus como Senhor de um reino que não é deste mundo — Ele é o Cristo e é Rei — , assim confia-se à Sua Divina Misericórdia, aquela mesma que Nosso Senhor manifestou a todos no momento da Sua maior dor e que levou Dimas à conversão e à penitência. Nosso Senhor ouve à súplica de Dimas e, como se já não se lembrasse mais dos inúmeros pecados que fizeram aquele ladrão merecer a morte, apenas lhe dirige estas palavras: "Hoje entrarás comigo no paraíso".

Com que paz morreu Dimas! Os soldados ainda lhe quebrariam as pernas para agilizar a morte, mas isso não mais o abalava, pois também via jorrar do peito transpassado de Jesus, Sangue e Água, os mesmos que espiritualmente caiam sobre a sua alma perdoada que já se preparava para encontrar-se com o Senhor da Vida. A dor era grande. Sua vida tinha sido ruim, muitas eram as lembranças do mal praticado e sofrido e mesmo aquele momento de cruz era terrível, mas, vendo-se amparado por Deus, salvo pela Misericórdia d'Ele, consolado pelo mesmo Senhor — que sofreu com ele as mesmas dores! —, já todo passado se esvanecia e o que importava era gozar da amizade e do amor de Deus, que o esperava no Céu.

Dimas converteu-se no último momento da sua vida, mas tal foi sua contrição e sua resolução de mudar, que mesmo não podendo mais senão entregar-se junto com Jesus na cruz, recebeu a graça de ser o primeiro a entrar no Reino dos Céus. Assim Nosso Senhor cumpre Sua promessa: "Os últimos serão os primeiros". No Céu, o Pai Eterno preparou as moradas. Um filho Seu, o pobre Dimas, por muito tempo vagou na imundície e na escravidão do pecado, perdendo todos os bens e cobiçando faminto os dos outros. Mas agora ele retornava à casa, tal como filho pródigo. E tão pouco pôde Dimas fazer para mostrar sua conversão! E tão pouco tempo teve para agradar ao Pai! Que ato de caridade pôde fazer e que heroísmo pôde praticar naqueles minutos restantes? Ainda assim o Pai Eterno o receberia com uma grandiosa festa no Céu, vestindo-o com as melhores vestes, oferecendo-lhe o melhor alimento, pondo-lhe nas mãos do mais brilhante anel. Vestiu-o com as virtudes, alimentou-o com a graça divina e selou com ele uma aliança eterna de amor. Todas essas maravilhas exigiram apenas três atitudes de São Dimas: que ele se arrependesse de todo coração das suas faltas, que cresse no Filho Unigênito de Deus e que aceitasse entregar-se com Ele na cruz.


Revisado em mar. 2018.

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